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Começa-se
por tecer o fundo do modo que se explica. Cruzam-se oito pares de varas
de burrico de oliveira, de seguida entrelaçados com fiadas torcidas
de duas ou três varas do mesmo material. Cose-se cada volta à
volta anterior, num movimento que avança do centro para a periferia,
até se atingir o rebordo. Levantam-se as hastes estruturais e prendem-se
com um atilho. A trama pode então prosseguir do fundo para as abas,
segundo a mesma técnica em que as varas são cruzadas e alternadas.
Ao tom cinza do pé de burrico, o artesão pode combinar o
dourado da cana ou o castanho do vime ou do mosqueiro, num contraste cromático
que confere grande beleza e singularidade. O pano do cesto é rematado
com o debrum. Depois, consoante a tipologia, acrescentam-se ou não
a asa ou asas e a tampa. E tudo isto feito simplesmente com as mãos
e com a ajuda de uma navalha para cortar as pontas sobrantes das varas.
Foi essencialmente este ritual, que começa com o "acareio"
e "preparo" cuidadosos da matéria-prima, que acabou encantando
o José Campaniço, o António Valério e o João
Alexandrino a tornarem-se cesteiros. Experimentaram e tomaram-lhe o gosto,
a ponto de se "encigueirarem". Todos eles aprenderam a arte
num tempo em que o agricultor, o homem do campo, era também artesão
e criador de artefactos para os mais variadíssimos fins e usos
do dia-a-dia. Alguém que fazia da pluriactividade uma forma de
vida e nela encontrava a chave da subsistência. Mas mudam-se os
tempos e os contextos sócio-culturais... e também a cestaria
surge actualmente confinada ao saber-fazer e vagar de reformados que persistem
em manter viva a tradição em pequenas oficinas ou no anexo
das suas habitações. No entanto, a decadência que
experimenta esta actividade por falta de continuadores é tanto
mais de difícil aceitação quanto se sabe que o mercado
existe para este tipo de produções e que os artesãos
sobreviventes não têm mãos a medir para atender a
crescente solicitação de uma oferta que é cada vez
mais urbana e que em regra está disposta a pagar preços
mais justos no acto de compra, quase sempre por ajuste directo ou encomenda.
Se outras razões
não existissem, é pelo interesse manifestado por estes novos
consumidores, que determinam inclusivamente novas utilidades e funcionalidades
aos artefactos que adquirem, e pela descoberta e conquista de mercados
compensadores fora da região que poderá e deverá
passar o futuro dos cestos de Moura. Esta situação é
esclarecedora do muito que ainda há a fazer para tornar a arte
da cestaria numa actividade reconhecida, fonte de riqueza, complemento
de rendimento, geradora de emprego, contributo para o desenvolvimento
local e elemento perpetuador da identidade de um território.
Neste aspecto, a ADCMoura,
através do RODA-VIVA, tem procurado, com o esforço apaixonado
dos seus técnicos, remar contra a corrente, que é como quem
diz mudar o actual estado de coisas. Trabalho este feito no terreno e
em diferentes frentes, de que se destaca a promoção de produtos
em feiras, as questões do marketing, design e informação,
e a sensibilização e formação dos produtores-criadores.
No entanto, o eixo estruturante e agregador de toda esta filosofia de
intervenção só será uma realidade no dia em
que a ADCMoura conseguir concretizar uma velha aspiração.
Trata-se da criação do Centro de Actividades Tradicionais
do concelho de Moura, um espaço multiusos ao dispor de artesãos
e público em geral e que está pensado para incorporar um
conjunto de dispositivos a funcionar complementarmente, a saber: Núcleo
museológico, para a salvaguarda de artefactos e instrumentos e
para o conhecimento do contexto e da história das actividades tradicionais
representadas; Espaço formativo, com vertentes de aprendizagem
e formação contínua; Oficina e atelier rotativos,
onde os produtores-criadores dispõem de espaços para ensaio
de projectos; Gabinete de assistência técnica, informação
e apoio à constituição de microempresas e comercialização;
Gabinete de concepção de materiais promocionais (brochuras,
catálogos...) e design; Loja tradicional, para depósito,
exposição e venda directa de produtos; Espaço de
aprovisionamento de materiais e ferramentas; Centro de recursos (biblioteca,
base de dados...).
Resta dizer que, neste
projecto, como em tantas outras coisas na vida, é tudo uma questão
de tempo e de oportunidade.
texto:
António Filipe Sousa |
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