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Os
olhares curiosos vão todos para os alguidares de barro vidrado.
Cada um guarda pedaços de carne e gorduras rijas de porco, mais
os ingredientes que servem de tempero, de acordo com o enchido pretendido.
Os condimentos base são o alho, o sal e a pimenta, preta ou branca,
a que se juntam a massa de pimentão da horta, o pimentão
vermelho, o colorau, os cominhos, a noz moscada, o cravinho, o vinho branco
ou o louro, consoante se trate de paio, salsichão, chouriço
de sangue, linguiça, farinheira ou catalão. Há ainda
o alguidar com as tripas, as grossas para os paios, as finas para os restantes
enchidos, umas e outras mergulhadas numa têmpera de vinagre, sal
e sumo de laranjas bravias. A carne cheira que consola após três
dias de maturação, durante os quais foi preciso rectificar
o sal e voltar a mexer de quando em vez. A partir de agora, mãos
femininas retomam os mistérios deste saber-fazer, através
de um bailado de gestos com o seu quê de ritual. Enchem as tripas
com a miga dos alguidares, à mão simplesmente ou com a ajuda
da enchedora. É preciso apertar bem a carne, e só depois
atar ao meio e de novo na outra ponta da tripa com linha de algodão.
O porco consagrado a enchido sobe agora ao altar do fumeiro de azinho
para secar e ganhar o sabor característico.
Os olhares deixaram de ser curiosos para passarem a ser gulosos, ante
o que será o conduto de todo o ano.
texto:
António Filipe Sousa |
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