|
|
|
Nesta
história, o carvão incandescente é o fogo. O ar,
o fole que o atiça. O metal em brasa é a terra. E a água,
a têmpera que o endurece. Como os deuses das cosmogonias primitivas,
o ferreiro, essa espécie de divindade terrena, lança mão
dos quatro elementos primordiais e ordena o caos inicial, a matéria
informe, através de um acto de magia criadora. Noutros tempos,
eram armas, alfaias ou objectos de uso quotidiano as obras a que dava
vida, sem mãos a medir. Os ferreiros constituíam então
um grupo sócio-profissional de elevado prestígio no seio
das comunidades de pertença e com rendimentos que eram proporcionais
a esse estatuto. Com o advento da industrialização, a introdução
de materiais substitutos do ferro, a perda da função inicial
de muitos dos artefactos e a invasão dos mercados por artigos similares
produzidos em grande escala e a baixo custo, o mister de forjar o ferro
e mais tarde o aço de modo artesanal entrou em acentuado declínio,
situação tanto mais preocupante quanto se sabe que as novas
gerações não mostram interesse em assegurar a sua
continuidade. A vida dura associada a oficinas escurecidas pela fuligem
e a esforços violentos explica em grande medida a falta de motivação.
Entre nós, restam as excepções do António
Baltasar, da Amareleja, e do José Pires, de Safara, derradeiros
representantes de uma tradição de muitos séculos
no concelho de Moura, transmitida através de gerações
a fio de mestres forjadores. Mesmo assim, apesar do empenho, o ferro forjado,
só por si, não garante o sustento a estes artistas. Para
sobreviverem na sua actividade foi necessário reorientar a produção
e enveredar por trabalhos mais ligados à serralharia civil (portas,
portões, gradeamentos, varandas, mobiliário diverso), que
os ocupam a tempo inteiro e são sinónimo de mercado mais
seguro e compensador. Só ocasionalmente, quando chamados a recriar
por solicitação de uma clientela de gosto apurado, e quase
sempre com intuitos decorativos, as peças de outros tempos ou a
produzir outro tipo de objectos onde já se faz notar o cunho do
design moderno, é que a forja se volta a iluminar e o martelo a
despenhar de encontro à bigorna onde se afeiçoam gatos de
lareira ou cães de fogo, fechaduras, aldrabas, candeeiros, cataventos,
cabides, candelabros, tocheiros, fateixas, ferros de marcar o gado ou
o que se quiser, de acordo com a capacidade técnica e a criatividade
dos seus autores.
texto:
António Filipe Sousa
O
António Baltasar e o José Pires contam com o apoio da ADCMoura
na orientação, promoção e comercialização
das suas produções. O António Baltasar, além
disso, beneficiou de apoio na concretização de um projecto
de investimento com recurso ao Microcrédito |
|
|