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pão

   

DEUS TE ACRESCENTE PARA AGORA E PARA SEMPRE

Eu sou do tempo em que amassava de noite, porque andava trabalhando de dia. Deus queira que isso não volte já. Ora, o panito de trigo levava muita volta. Todos os dias fazíamos duas amassaduras, a minha irmã amassava uma e eu outra. Eram oitenta pães por dia em duas vezes, que o forno levava quarenta de cada vez, e não fazia mais porque não podia. Eram vinte e três medidas de farinha. Isto é um quilo, faz de conta. Treze da da Cuba e dez da de Alcains. A freguesia começou a queixar-se que o panito não tinha tanta vista quando era feito só com farinha da Cuba. Então comecei a misturar farinha de Alcains, que é muito branca e é mais fina. A da Cuba é mais negra. É a que imita melhor a dos moinhos, que essa é que fazia melhor à gente. Fazia-se um buraco na farinha aqui no alguidar, deitavam-se cinco tachinhos de água morna, o sal e depois desmanchávamos aquele azedo, feito da massa da véspera, com uma pinguinha de água. Éramos as únicas aqui que amassávamos à mão. Por isso é que estamos aqui com uns brações. Amassar demora uma hora ou mais se a massa for pegonhenta. Quando acabávamos fazia-se uma cruz na massa e dizia-se: Deus te acrescente para agora e para sempre. A fintar no alguidar, quando estava muita calma, o panito não levava tão pouco duas horas. A massa estava pronta a ser tendida quando a cruz desaparecia. Enquanto eu tendia, a minha irmã metia as enchapotas de oliveira no forno e puxava fogo. Ardia aí mais de uma hora, isto quando era a primeira vez. Depois puxava as brasas com o rodo para junto da porta, e o forno ficava a solar. A massa já estava toda tendida. Mas ainda levava mais uma volta para o panito ficar mais altinho. Gosto do pão assim com a cabecinha dobrada. O forno já estava todo bem varridinho. Então, levávamos o tabuleiro com os panitos. A minha irmã punha a pá na boca do forno e eu punha os panitos em cima. Levavam todos uma farinhita por cima antes de entrarem lá para dentro. Ao fim de uma hora tínhamos o panito cozido e as freguesas regaladas de roda da gente. Se eu ainda cozesse não saía daqui sem um panito, senhor. Aqui há uns anos cada qual amassava a sua amassadura, o seu pão. Quer dizer, havia uns fornos na aldeia e coziam os nossos pães todos. E depois os fornos começaram a acabar, as pessoas começaram a aborrecer-se, os moinhos começaram também a falhar e então acabou-se com isso. Depois vieram as padarias. O pão é bom à mesma, não digo o contrário. É claro que eu amassava à mão e isso faz a sua diferença. Mas também digo que o valor está em ser cozido a lenha e na questão das farinhas. È aquilo que tenho a dizer.

texto: António Filipe Sousa

   
     
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