História de vida – Bento Silva

Chamo-me Bento Silva, tenho 22 anos e sou natural de Moura, nascido em Beja, no Alentejo, no ano 1999. A minha família é composta por 6 elementos, ou seja, os meus pais e os seus quatro filhos.  Eu sou o mais velho dos irmãos e somos ciganos de pai e de mãe…

Com 6 anos comecei a frequentar o que seria a minha primeira escola, a EB 1 do Fojo, onde completei o 1º ciclo, onde reprovei no 3º ano de escolaridade, o que fez com que perdesse contacto com parte dos colegas/amigos. No entanto, posso orgulhar-lhe de manter alguns contactos até aos dias de hoje e ver nestes grandes amigos.

No meu percurso no 1ºCEB, contei com o apoio de dois professores (professor Monge e a professora Helena) que recordo com carinho pois, a meu ver, foram excepcionais quanto ao ensino como na minha integração.

Recordo-me que era muito complicada a realização dos TPC´s, principalmente no inverno, pois vivia numa barraca sem o mínimo de condições e sem eletricidade, tendo assim de realizar os deveres à luz das velas. Por outro lado, em minha casa só a minha mãe sabia ler e escrever (4º ano) e pouco me conseguia ajudar, mas sempre que necessário em alguma questão ela ajudava-me no que podia, o que para mim era o suficiente, pois sentia-me apoiado em relação à escola. Já o meu pai é iletrado, porque este na sua infância tinha que tratar dos cavalos e não tinha tempo para ir a escola.
 
Sempre fui um aluno assíduo e pontual  e com bom comportamento. Foram-me confiadas as chaves do portão principal, eu era encarregado de abrir e fechar o portão da escola  para que eu, os meus colegas e funcionárias, pudéssemos atravessar a passadeira e ir à cantina da  outra escola almoçar. Aqui percebi que já me era depositada alguma confiança e com a qual me sentia confortável.

Segundo e Terceiro Ciclo
Quando transitei para o 2º ano do  2º CEB já tinha 12 anos. Foi aqui que comecei a sentir na pele o que era ser cigano. Senti um afastamento das crianças não ciganas e o olhar de desprezo de alguns funcionários, mas como criança não sabia como era realmente o mundo e não dei muita importância; contudo, sentia-me bastante incomodado. Aqui, na “escola nova”, voltei a encontrar algum dos amigos que tinha perdido contacto na 1º ciclo e fui conhecendo outros.

No 2º CEB, comecei a aperceber-me da importância da escola e da realidade envolvente. Apercebi-me que muitos alunos da comunidade cigana estavam na escola somente para “passear os livros”, mas claro, com exceções como era o meu caso que queria estudar e tirar um bom proveito da escola. Verdade que nunca fui um “santinho” na escola, tinha os meus momentos de rebeldia quando estava com amigos e nem sempre fui pontual, mas no geral era um menino bem comportado.

Por vezes, senti que, por ser cigano e com algumas dificuldades, alguns professores deixavam-me de lado e creio que não viam futuro em mim.

Mas não há regra sem excepção e pude contar com professores que acreditavam em mim, que me apoiavam e davam-me força para continuar. O que para eles poderia ser um gesto simbólico, para mim era algo profundo pois sabia que alguém me valorizava e olhava para mim.

Em 2016, com 16 anos ainda a estudar, fui fazer o secundário na escola profissional de Moura, no curso profissional Restaurante/Bar. Nessa altura, eram poucos os jovens ciganos a frequentar o secundário, mas posso dizer que sempre fui bem aceite pelos professores e pelos colegas de escola.

É certo que eu não era o melhor da escola, nem da turma, mas também não era o pior. Durante estes três anos fui criando muitos laços de amizade numa escola com um número reduzido de alunos permitindo que todos se conhecessem, onde não havia estranhos. Assim, eu sentia este espaço como se fosse a minha segunda casa, pois sentia-me totalmente integrado, aceite e valorizado tal como sou e não sentia qualquer tipo de discriminação.
 
Durante os três anos de curso foi pedida à escola colaboração em muitos serviços de eventos para a Câmara Municipal de Moura, entre outras entidades (coffee break, almoços, jantares). Alguns serviços não eram fáceis, pois chegámos a estar 12 horas de pé na cozinha preparando a mise-en-place, o que era muito cansativo e provocava muitas dores musculares. No entanto, no final de cada serviço sentia uma satisfação enorme de estar naquele lugar e receber os elogios pelo bom desempenho prestado, por “pessoas importantes na sociedade”.
 
Cada ano de curso, tinha um período de estágio profissional que consistia em pôr em prática os conhecimentos adquiridos em contexto escolar. Assim, cada aluno procurava um local para realizar o estágio, o que me deixava muito constrangido e me deixava totalmente em baixo, pois os proprietários das entidades de restauração em Moura aceitavam estagiários, mas ao tomarem conhecimento de que o estagiário era cigano recusavam de imediato.

Deste modo, os únicos locais onde pude estagiar acabou por ser o próprio refeitório da escola profissional e no refeitório da escola secundária de Moura. Só assim me foi possível terminar o curso que me permitiu obter o 12º ano, pois para a obtenção do diploma é exigido um xis de horas em contexto de trabalho.

Felizmente, tive apoio de professores e funcionários, principalmente do coordenador de curso que testemunhou tais acontecimentos. Foi nestes acontecimentos que nos meus pensamentos dizia para mim mesmo: tenho de mostrar que os ciganos também têm sonhos e ambições pois nós também somos humanos e sentimos dor…
Com muito esforço e luta consegui completar o 12º com carteira profissional em Serviço de Bar e Restauração. Tenho orgulho de dizer que, independentemente das adversidades, nunca desisti e consegui concretizar o meu objetivo.

Em 2019, ainda a frequentar o último ano de curso, já com 19 anos, recebi uma chamada de uma pessoa que só tinha visto uma vez, quando me encontrava a frequentar o 2º ciclo, que na altura tinha feito uma actividade com a minha turma.
Assim foi-me apresentada uma proposta de trabalho, na qual iria desenvolver o papel de Dinamizador Comunitário a tempo parcial, com a duração de 2 anos. Já havia sido rejeitado em tantas ocasiões pelo facto de ser cigano, que esta oferta me deixou surpreso, por alguém se lembrar de mim, e aceitei de imediato.
Mais tarde, vim a saber pela equipa que o convite foi-me dirigido essencialmente pelas boas referências do meu desempenho dentro da escola, enquanto aluno e enquanto pessoa.

No início, posso dizer que não foi fácil, pois foi necessário conciliar os estudos com o trabalho, mas aprendi que basta querer para conseguirmos atingir os nossos objectivos.
Fui acolhido dentro de uma equipa de cinco elementos excepcionais, sempre dispostos a ajudar e com os quais aprendi muito.

Hoje, 2021, tendo eu 22 anos, continuo a trabalhar com as mesmas pessoas num projecto congénere, o qual me deixa orgulho de todo o meu percurso. Orgulho-me de ser pontual, responsável, dedicado e sempre disponível em prol do meu trabalho e, essencialmente, da minha comunidade.

Um dos momentos que me marcaram foi o meu casamento, tinha eu tinha 15 anos e a minha mulher 16 anos. Um casamento com estas idades é perfeitamente normal entre a minha comunidade. Estou casado há 6 anos e tenho 2 filhos.
Depois de três anos de casamento, tivemos o primeiro filho, que foi uma dádiva de Deus, e, dois anos depois, tivemos a segunda dádiva de Deus, o meu filho mais novo. O amor e o carinho que eu tenho pelos meus filhos são enormes, não há palavras para descrever o amor de pai para filhos.
Os momentos mais marcantes da minha vida  foi quando os meus filhos nasceram, eles são a razão do meu viver, são eles que me dão forças para seguir em frente, pois tudo o que quero é dar-lhes um futuro melhor e passar os valores, a educação e a humildade que os meu pais me transmitiram.

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