História de vida: Bruno Gonçalves

Bruno Gonçalves, Idade 45
Sou coordenador do programa ROMED, casado, tenho 4 irmãos, nasci em Coimbra e vivo na Figueira da Foz. 
Detesto a Hipocrisia, e gosto muito de ler e cozinhar.

Estudei até ao 7º ano de escolaridade, era um bom aluno, sobretudo a inglês e a história. Abandonei a escola para ser mais um ganha-pão para casa. Fui ajudar os meus pais na venda ambulante.

Os meus professores foram sempre muito incentivadores, ficaram tristes quando abandonei. Não me posso queixar que fui discriminado na escola, o que mais me irritava era quando alguns me diziam que eu nem parecia cigano pelo fato de tirar boas notas, ia aos arames!

Voltei a estudar já adulto com 18 anos quando comecei a tirar o 12º ano via unidades capitalizáveis ensino noturno. Em 1997/98, entrei num curso de formação profissional de eletricidade de baixa tensão e é aí que verdadeiramente os horizontes dos estudos se abrem, pois coincide com a fundação da Associação Cigana de Coimbra e o início de trabalho de mediador escolar, o que exigiu de mim mais conhecimentos. E é já como mediador que tiro o 9º ano via Novas Oportunidades.

Entretanto constituo família em 2004 e abandono a mediação, o ativismo e o dirigismo associativo. Durante uns 3 anos dediquei-me à venda ambulante, uma atividade que era ainda rentável. Apesar da autonomia e flexibilidade que a atividade proporciona, sentia um enorme vazio, o ativismo e a mediação eram uma paixão. Mas por força da minha juventude e da minha veia progressista, no meio do associativismo cigano e ativismo nunca fui lá muito
bem tratado por correntes e alas mais conservadoras e isso dececionou-me um pouco…

No meio de tanta pessoa que não gostava da minha irreverência havia uns poucos que sempre apreciaram o meu trabalho e que se tornaram mentores até aos dias de hoje como é o caso do Sérgio Aires e a Mirna Montenegro, nunca desistiram de mim e é aos poucos que volto ao ativo em ações pontuais.

Mas a pessoa que mais me deu força para nunca desistir foi a minha cigana, a minha esposa Marisa, ela não aceitava que eu continuasse com o 9º ano, e é já enquanto mediador municipal em Coimbra, no ano de 2010, que consigo tirar o 12º ano via Novas Oportunidades.

Em 2010 dá-se um outro momento muito bonito na minha vida, a edição do livro “ A História do Ciganinho Chico”. Surge a Associação Letras Nómadas em 2013, além de mediador do programa
ROMED do Conselho da Europa sou também formador certificado de mediadores para ciganos no Conselho da Europa, não podia parar.

Em 2015 sou mentor da ideia do projeto OPRE Chavalé (ciganos no ensino superior) que anos mais tarde se tornou política pública. Ainda em 2015 sou “forçado” pela minha esposa a candidatar-me ao ensino superior aos Maiores de 23 anos para a licenciatura de animação socioeducativa, como podia falar da importância de uma boa escolarização sem ter exemplo para dar!? Passei nos exames de admissão e ao fim de 3 anos licencio-me! Foram 3 anos de enorme esforço, de algumas lágrimas que se concretizaram em alegria! 

Entretanto, já tirei uma pós-graduação na Universidade Lusófona “ Mediação de Conflitos em Contextos Educativos” e acabo de lançar a segunda edição do livro “ A História do Ciganinho Chico”. Não sei se fico por aqui, talvez se siga um mestrado e talvez um doutoramento.

O que tudo isto me acrescentou!? Apesar das dificuldades em que é ser português cigano neste país, os estudos permitiram ter mais mobilidade social e conhecimentos para trabalhar mais e melhor em prol da inclusão do meu povo!

Os estudos não descaracterizam ninguém, não é uma perda de tempo, até creio que reforça a identidade e orgulho de pertença.

O mundo é cada vez mais exigente, competitivo, as mudanças tecnológicas e outras são diárias, quem menos estudos tiver irá sofrer na pele e na vida os impactos negativos de não ter ferramentas para estar no mesmo ponto de partida que os demais.

Um cigano ou uma cigana com estudos serão protagonistas do evitar que o nosso povo no futuro seja ainda mais escravo da pobreza e da miséria.  

Só se perde tempo quando se deixa fugir as oportunidades…

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