História de vida – Benjamim Barão

O meu nome é Benjamin Barão, tenho 28 anos, sou natural de Moura e sou português cigano.

A minha família é composta pelos meus pais, um irmão e três irmãs.

Sempre morei em Moura, junto à Ludoteca, mas houve meses em que eu tinha que ir para outra localidade com os meus pais, pois o meu pai era, e continua a ser, pastor. Assim, ele tinha que “pastorear” igrejas durante um período de tempo em outras localidades.

No 1º Ciclo do Ensino Básico eu ia entrar na escola, onde os meus dois irmãos mais velhos já estudavam, mas antes de começar a escola tive uma experiência um pouco assustadora, que certo modo me marcou. Ia com os meus irmãos, Barão e a Tamara, para a Ludoteca, quando ouvi umas crianças, não ciganas, me perguntarem se eu era o Benjamim, o novo miúdo cigano na escola e me disseram: ”olha então prepara-te porque no primeiro dia de escola vou te partir a clavícula”, eu sabia que tinha lá os meus irmãos, mas fiquei, obviamente, com medo e assustado.

Entrei no 1º CEB com 7 anos, pois pela idade era facultativo, com o Professor Mário. A minha turma era espectacular, sendo eu o único cigano na turma fui bem integrado, foi uma turma que gostei muito e fiz amizades que perduram até aos dias de hoje.

No recreio da escola sentia-me intimidado, principalmente devido aos miúdos que me haviam ameaçado, eles achavam que podiam fazer o que queriam aos outros.

Eu, como criança, não sabia o que era ou significava, a palavra racismo, mas como membro da comunidade cigana e como a maioria vivia em barracas eram feirantes, pensei que era natural ser tratado daquela maneira, na altura já sentia que a minha comunidade era desvalorizada, sentindo-me inferiorizado.

Na altura não via o meu futuro a passar pela escola, no entanto o meu aproveitamento sempre foi mediano, pois via a escola como um lugar para brincar e estar com amigos e não dava a devida importância.

Completei o 1º e o 2º ano com o professor Mário. Sempre cumpri com os trabalhos de casa com a ajuda do meu irmão, que estava no 4º ano e da minha irmã que estava 3º ano, pois os meus pais não me conseguiam ajudar devido ao seu nível de escolaridade. Quando transitei para o 3º ano, grande parte da turma mantivera-se embora entrassem muitas crianças novas. No recreio brincávamos e jogávamos muito futebol, na época eu era muito bom a jogar à bola e destacava-me, e isso foi uma forma de inclusão. Considero que o facto de jogar à bola foi um ponto-chave para criar amizades fora da sala de aula.

No 3º ano, o professor já não era o mesmo, tinha uma professora que, por incrível que pareça, enviava TPC a todos aos meus colegas menos a mim, sendo este o único ano em que não transitei.

Houve episódios marcantes, sofri de bullying, violência na escola por parte de grupos de miúdos. O meu irmão tentava proteger-me, mas era um grupo maior, e acabávamos sempre como vítimas. São situações que perduram na memória, no entanto hoje uma dessas crianças que me agredia, pertence ao meu leque de amigos mais próximos.

Ao transitar para o 2º CEB, ingressei numa escola com mais ciganos e de alguma forma sentia-me um pouco mais acolhido, eu achava que estava num meio mais igualitário! Mas nunca deixei de preservar as relações de amizade que levei do 1º, CEB. Custou-me imenso esta transição de ciclo, pois na minha escola anterior tinha o meu grupo de amigos, pessoas que gostavam de mim.

Nos recreios era visível a formação de grupos ciganos e não ciganos, mas eu era aceite nos dois, pelas amizades que mantinha desde o primeiro ano com não ciganos e os outros grupos por pertencer à minha etnia, adaptando-me com extrema facilidade às diferentes realidades.

Na “nova escola” tive muitos mais professores, e nunca senti qualquer discriminação ou desprezo, sempre os respeitei, pois foi dos valores mais fortes que os meus pais me incutiram. Por muito rebelde que fosse respeitava sempre os professores e mantinha o bom comportamento em sala de aula. O facto de ser educado fez com que ganhasse a sua consideração, e de alguma forma sentia-me valorizado.

Depois de completar o 2º e 3º na E.B. 2+3 de Moura, ingressei na Escola Profissional de Moura no curso: “Técnico de Instalações Eléctricas” com a duração de 3 anos. O facto de me encontrar a frequentar o ensino secundário foi um orgulho enorme para os meus pais, de tal modo que se gabavam constantemente do feito, pois não conheciam nenhum outro jovem cigano no secundário.

Desde cedo constatei que me era nato o perfil de líder e isso foi ainda mais notório no 3º CEB, onde fui nomeado como presidente da associação de estudantes. Quem me rodeava reconhecia em mim uma pessoa de personalidade fácil e com boa relação com o próximo.

À data eu havia sido o único jovem cigano a completar o 12º ano em Moura, e reconhecido pelo comportamento exemplar, respeitador e com notas dentro da média.

Vi sempre reconhecido o meu esforço ao ponto de ainda hoje ouvir “olha o Benjamim, o primeiro cigano na escola profissional, o menino bem comportado …”.

Em contexto de escola sempre fui um jovem feliz e sempre me adaptei com extrema facilidade aos diferentes contextos. Sair com pessoas não ciganas e manter uma relação positiva, era um pouco estranho naquela altura paras as outras crianças/jovens ciganas, mas obviamente é uma coisa natural. Somos todos humanos e as relações não podem ser colorida pela nossa cor, pela forma de vestir, andar ou pelo nosso grupo étnico. Devemos relacionarmo-nos com quem nos sentimos bem, e eu sentia-me bem com pessoas ciganas e não ciganas, portanto relacionava-me bem com estas pessoas e era feliz.

A nível profissional, quando ainda estava a completar o 12º ano, um mediador cigano da Câmara Municipal de Moura veio ao meu encontro e falou-me numa vaga para um projeto do Programa Escolhas, com a função de Dinamizador comunitário. Entreguei o meu currículo e pouco tempo depois ligaram-me a dizer que eu tinha ficado com o lugar.

Para além de vender nas feiras com os meus pais, foi o meu primeiro emprego com ordenado, na ADCMoura, e desde aí abriram-se portas para tanta coisa e o próprio emprego acabou por destacar-me no seio da comunidade. No início eu considerava-me incapaz e não me achava com perfil de Dinamizador. Tive medo de não desempenhar as minhas funções corretamente, não sabia o que era um projeto, não sabia o que era pretendido nas atividades, nunca tinha desenvolvido nada do género e daí o meu receio. Ao longo do tempo aprendi a valorizar-me e fortalecer a minha auto-estima. Tenho orgulho em ser cigano, somos capaz de fazer qualquer coisa e entrar no mundo laboral.

Em contexto de trabalho fui bem recebido, contei com pessoas que facilitaram a minha inclusão neste mundo do trabalho. Colaborei com a ADCMoura que é a melhor casa e a mais bem preparada para me receber, se não fosse a ADCMoura e se não conhecesse este grupo de pessoas, certamente não seria a mesma pessoa, reconheço. 

Se eu não tivesse estudado neste momento, ver-me-ia a depender de RSI para sobreviver, embora não seja vergonha alguém receber RSI, apenas significa que se estás numa situação difícil.

Na altura a minha família aceitou que eu fosse trabalhar e ficou agradada por eu conseguir um emprego, até porque se eu fosse pelas cabeças dos meus pais, certamente, neste momento era astronauta ou outra profissão do género. Eles sempre me incentivaram e apoiaram em tudo o que abonar-se ao meu futuro.

Considero-me sortudo por ter nascido numa família que me educou bem, que sempre me incentivou para os estudos, que me proporcionou vivencias e só assim respeito e aproveitamento as oportunidades e desafios que me vida de coloca.

Enquanto pai, darei o meu melhor, transmitir os valores que os meus pais me passaram, respeito, boa educação, humildade e claramente vou apostar na educação dos meus filhos para que possam ter uma boa qualidade de vida e mudar algumas mentalidades em relação à comunidade cigana.

O meu pai sempre me disse esta frase a mim e aos meus irmãos “ o pai não tem nada para vos dar, não tem heranças, não tem casas, não tenho nada para vos dar, mas aquilo que tenho é o que vos vou dar, é a oportunidade de vocês estudarem”. Se hoje sou alguém agradeço aos meus pais que sempre me deram opções de escolha em relação ao meu futuro.

Um conselho da minha parte para quem está a ler, e principalmente para os jovens ciganos: se estás a estudar e não sabes o que estás a fazer na escola, por favor tenta ver que a escola é o futuro, podemos fazer tudo na vida, mas para teres sucesso na vida ou um bom futuro, terás que passares pela escola pois a maior arma é o conhecimento e a educação.

Jovens da comunidade cigana devem aproveitar a vida. Infelizmente os nossos costumes, as nossas regras limitam nossas vidas. Por vezes, é preciso partir pedra, é preciso ir contra os costumes, hábitos. Não devemos menosprezar-nos, a nossa vida não deve ser comandada ou guiada pelas outras pessoas, mas sim por a nossa vontade, o nosso querer.

Tu consegues conciliar a tua vida com os estudos, mais importante é estares bem contigo próprio e com muita força de vontade, esta é chave para um futuro melhor.

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