CADEIREIRO
José Francisco Amaro, mais conhecido por ti Rainha, nasceu em Amieira, concelho de Portel, em 1911. Se fosse vivo, teria, portanto, 109 anos. Ainda jovem,cruzou o Guadiana para se fixar em Safara, onde viria a falecer em 2003.
Nos últimos anos, já viúvo, as cadeiras tomavam-lhe todo o tempo. Mesmo assim, não o suficiente para responder ao ritmo das encomendas que surgiam de todo o país, e até do estrangeiro! Avesso à utilização de máquinas, o que explica a demora das entregas e a singularidade de cada peça, pelas suas mãos passaram dezenas de cadeiras, arquitectadas e esculpidas na sua pequena oficina, de paredes de tijolo à vista e coberta de chapas de zinco, situada no quintal do nº 3 da rua da Fonte Nova. Aí se passaram muitas horas ouvindo as suas histórias de vida e apreciando a sua mestria.
Perdida a conta às cadeiras que construiu, certo é que não há duas iguais porque cada uma traz inscrita a marca inconfundível do génio criador e de uma cultura e atitude que não se deixaram levar pela massificação. São cadeiras em madeira de loendro, para estar à lareira, no Inverno, ou no rebato da porta, no Verão, cadeiras de pé alto, cadeiras para estar à mesa, cadeirões de braços, bancos pequenos e bancos maiores que servem de poiso aos alguidares da amassadura do pão ou da miga dos enchidos.
Como dizia mestre Rainha sobre a melhor época para colher a matéria-prima para os fundos das suas cadeiras, sempre ajudado por uma sentença na ponta da língua, «no mês de Maio, a junça e o buinho prendem um garraio, no mês de São João, não prendem um cão».
E acrescentava, a quem o questionava sobre os princípios de construção: com o material acareado, o artesão corta e falqueja, com a ajuda de serra, machado, cepilho e enxó, paus direitos para as patas e paus com curvaturas capazes para fazer o encosto da cadeira. Para ligar uns e outros, abrem-se furos com trado e arco de pua e talham-se travessas a enxó e canivete. Com as madeiras assim aparelhadas, começa-se a cadeira pelas costas, apertando as peças com um gastalho para não afrouxarem. Em estando a cadeira armada e pregada, torce-se o buinho, já demolhado, para empalhar o fundo. Por fim, talham-se motivos geométricos, alguns preenchidos com cor, para a peça ser ainda mais única e ao gosto do freguês e, pronto, já dá ares a uma cadeira!
Filipe Sousa (texto e fotos)