|
|
|
|
|
|
O
barco de madeira do Guadiana, com actividade actual restringida à
pesca artesanal, constitui um repositório ímpar da própria
história da navegação no rio e um documento vivo
para a construção da memória da vida ribeirinha,
que importa estudar, preservar e reabilitar para as gerações
vindouras.
Com
um comprimento que ronda em média os três metros e medindo
de boca cerca de metro e meio, este barco distingue-se pelas duas "proas"
em forma de bico ou semicírculo, pelo casco relativamente baixo
e pelo seu seccionamento em três partes ou lados claramente distintos.
Por outro lado, o fundo é chato, isto é, desprovido de quilha,
permitindo a navegação em baixios, é tradicionalmente
construído em madeira pinho, azinho e freixo, estas últimas
usadas em especial na construção de cavernas e travessas,
e resiste bem a uma dúzia de anos de serviço se for, entre
outros cuidados, calafetado e embreado a pez preto periodicamente (os
pescadores locais designam estas operações, respectivamente,
por entrapar e pesgar).
Em
relação ao princípio construtivo, ele assenta no
papel determinante assumido pelo cavername ou esqueleto na coesão
da estrutura do casco da embarcação, sendo o tabuado, isto
é, o forro exterior do casco, montado posteriormente.
No
que respeita ao processo de construção, isto é, à
modalidade de execução e técnica adoptada, alinham-se
as seguintes notas a partir das explicações de base empírica
fornecidas por um dos últimos pescadores e construtores de barcos
do concelho - Manuel Asper Vitoriano, mais conhecido por Manuel Gaudêncio,
residente em Amareleja.
1
Primeiro, é necessário escolher criteriosamente
as madeiras, obtê-las em boas condições de uso ou cortá-las
no tempo certo para adquirirem a resistência exigida. Aspectos que,
a não serem respeitados, podem comprometer seriamente a estrutura
das embarcações e reduzir drasticamente o seu tempo de utilização.
2
A construção, propriamente dita, começa no fundo
do casco direito, o qual começa a desenhar-se a partir da obtenção
de uma prancha de forma elíptica ou hexagonal consoante as cavernas
a utilizar sejam redondas ou angulares. Ao fundo são fixadas as
travessas, regularmente espaçadas, onde encostarão as cavernas,
ligação esta de que depende a solidez da estrutura da embarcação.
3
É a altura, então, de cortar e falquejar as cavernas, que
podem ser curvas ou angulares dando assim origem a cascos redondos ou
em vértice, e as duas travessas das proas culminando em forma de
bico ou semicírculo, o que permite um manuseio mais fácil
da embarcação a partir da margem e o seu transporte em terra
em condições mais cómodas.
4
Depois fixam-se as travessas das proas ao fundo do casco e ainda as cavernas
mais curtas às travessas das proas nas zonas em que o casco se
estreita, utilizando para o efeito pregos ou parafusos.
5
Armado o cavername, dá-se início à pregagem do tabuado,
constituído por fiadas contínuas de tábuas justapostas.
A altura do casco é em geral igual à largura de três
tábuas e meia de pinho, o que corresponde a cerca de 70 centímetros.
6
Em seguida, colocam-se os assentos, o tabuleiro (para transportar as redes),
as almofadas (parapeitos instalados na "zona do remador" que
suportam os escalmes), os escalmes (varetas de azinho a prumo onde são
introduzidos os remos), as cangas (para reforço das proas), os
tapetes das proas e os estrados para cobrir o fundo.
7
Posteriormente, as juntas das tábuas são entrapadas ou calafetadas
com a ajuda de uma espátula e em seguida todo o casco é
embreado a pez preto, previamente derretido num recipiente próprio.
8
Finalmente, são construídos os remos, constituídos
por palheta (extremidade do remo) e cágueda (peça inteiriça
de azinho furada e fixada à vara do remo, que possibilita a introdução
do remo no escalme).
texto
e desenhos
António Filipe Sousa
|
|
|
|
|
|
|
|