Avanços e recuos

Há dias, a Ada Barão tornou-se na primeira mulher cigana, nascida e residente no concelho de Moura, a concluir o 12º ano de escolaridade. Dirão uns que está aberto o caminho para que mais raparigas ciganas cumpram os seus sonhos e reconheçam a importância de um futuro diferente, que só pode passar pela Escola. Dirão outros que o feito não passa de uma gota de água num oceano de dificuldades e impedimentos, já que a retirada das meninas ciganas da escola para casarem é, por tradição, um acto necessário de preservação da identidade e cultura cigana, assente num modelo patriarcal, até agora inquestionável. Considerando que a maior parte da população cigana é pobre e não foi/é escolarizada, persiste a desconfiança e a desvalorização relativamente ao contributo da educação formal na melhoria das condições de vida dos ciganos. Além disso, não se muda, de um dia para o outro, séculos de tradição nómada, de uma cultura livre e ambulante, para uma cultura em que «têm de se fechar os filhos numa escola durante todo o dia.» Esta é, pelo menos, a percepção dominante na comunidade cigana de Moura acerca da importância da escolarização, que as estatísticas disponíveis confirmam. Como se refere no Inquérito aos Agregados Familiares da Comunidade Cigana do Concelho de Moura, promovido pela ADCMoura e publicado no início deste ano: «De entre os ciganos adultos (com 18 ou mais anos), 53% não possuem qualquer nível de escolaridade. Desses, 32% são iletrados, 2% sabem ler e escrever sem terem frequentado a escola e 19% não concluíram o 1º ciclo (4º ano). Apenas 3% concluíram a escolaridade obrigatória (12º ano). A iliteracia atinge sobretudo as mulheres ciganas (55%). São ainda elas as mais penalizadas quando se trata de avaliar a progressão escolar: apenas 7% concluíram o 9º ano e apenas uma completou o 12º ano. É mais notório o desinvestimento escolar das famílias em relação às raparigas, de quem se espera outros papéis, que passam pelo casamento e maternidade precoces e pela vida doméstica.» As mudanças são, portanto, de longo prazo, exigindo o compromisso de várias partes: comunidade cigana, escola, instituições de apoio social, sociedade civil… Sendo certo que não há cultura nem religião cujos fundamentos se sobreponham ao direito inalienável de as mulheres ciganas gozarem de igualdade de tratamento e de oportunidades, de serem autónomas e poderem decidir sobre o seu futuro, que passa necessariamente pela Escola, não é menos verdade que a concretização da escolarização nunca será o resultado de uma obrigatoriedade forçada, nem de um único modelo. A diversidade da comunidade cigana, a diversidade das comunidades educativas, a diversidade da sociedade em geral impõe que a efectiva realização do direito à educação das crianças passe pela construção e concretização de modelos que correspondem àquela diversidade. Ponderando os impactos, avaliando os custos e os benefícios. As actividades de sensibilização para a importância da literacia dirigidas a mulheres ciganas adultas que estão em curso no Vale do Touro e no Espadanal, no âmbito do Nómada 3.0, inscrevem-se nesta visão. Perante os mais diversos entraves colocados à sua saída dos bairros, vamos nós ter com elas, num exercício de aprendizagem descentralizado, biunívoco, de negociação permanente, alicerçado na confiança entre os intervenientes e que, ainda assim, se faz de avanços e recuos inevitáveis. Não sendo aceitável que meninas, que se tornaram mães precocemente, tivessem sido retiradas da escola com 12, 13, 14 anos para casarem, também não é concebível que não saibam ler nem escrever!, algumas com o 6º ano de escolaridade! São estas as mulheres que aceitaram o desafio de aprender a ler e a escrever com o Nómada 3.0. Se queremos chegar adiante, o ponto de partida pode ter de ser, como é o caso, lá muito atrás.

Fotografias:

https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=pfbid0kqY7jCfZSpmRuZdurzRaAV1GvoNhHyoei7jspmu3zg7yfBbg73na31vAgFNmFWhil&id=108591041590894

You may also like...