O Preconceito e os Apoios Sociais

Um dos problemas do combate à pobreza prende-se com os obstáculos culturais a uma abordagem séria do fenómeno. O senso comum está hoje impregnado de ideias falsas sobre os beneficiários do Rendimento social de Inserção (RSI). A atribuição do RSI a portugueses pertencentes à comunidade cigana está sob ataque e a esse ataque, reproduzido diariamente em conversas de rua e de café, é preciso opor uma pedagogia de esclarecimento e de reflexão. As sociedades modernas fundam-se nos valores da igualdade, nomeadamente nos princípios da igualdade de oportunidades, sendo que é assim que se constrói a cidadania. Mas mesmo nas sociedades desenvolvidas, a igualdade de oportunidades parece não ter sido ainda totalmente alcançada, pois continuam a existir grupos vulneráveis à pobreza e exclusão e essas situações tendem a reproduzir-se socialmente.

Os ciganos são, segundo diversos estudos, o grupo étnico mais estigmatizado do nosso país. É, por isso, necessário discutir e analisar a relação entre o RSI e os ciganos de modo a desmistificar os preconceitos e os estereótipos que têm vindo a ser construídos e reproduzidos em torno deste assunto. Hoje em dia, na sociedade portuguesa, em diversos contextos do quotidiano, os ciganos são acusados de viverem exclusivamente do RSI e de não se esforçarem para trabalhar nem para se inserirem na sociedade. Segundo esta visão seriam os membros desta minoria étnica que tirariam os maiores proveitos da sua aplicação. Esta falsa ideia, que resulta de um discurso sem nenhuma sustentação na realidade, não resiste ao primeiro confronto com os dados concretos sobre quem são os verdadeiros destinatários do RSI. A maior parte dos beneficiários deste apoio são crianças e idosos. Assim, as crianças – uma parte significativa dos agregados que beneficiam do RSI – não podem nem devem trabalhar. Os idosos não possuem a frescura de outrora – e tão poucas poupanças juntaram que, ao fim de uma vida, têm de subsistir com um apoio social que quase remete para a fronteira da pobreza.

O RSI integra uma política social que visa assegurar um rendimento mensal às famílias mais pobres, sendo importante para os ciganos cujos agregados integram crianças em idade escolar e idosos, em diversos casos, com problemas de saúde. Assim, o RSI é uma ajuda principalmente para as necessidades básicas como, por exemplo, para comprar comida e medicamentos. Aquando da procura do RSI, que surge do sentido de responsabilidade familiar, estes cidadãos sabem, à partida, que têm de cumprir as obrigações estipuladas no Contrato de Inserção que assinam no início do processo, senão, aquele é suspenso. E existe claramente a perceção de que se trata de um contrato real em que cada uma das partes tem de “dar” alguma coisa. Geralmente, verifica-se um efetivo esforço por parte de alguns beneficiários para ter sucesso no desenvolvimento das ações estipuladas nesse contrato principalmente na escola, onde tiram partido do seu tempo para aprender algo e obter as competências necessárias para integrar o mercado laboral. Mas, há poucas respostas por parte da sociedade no que diz respeito à inserção profissional destes beneficiários, mesmo quando todas as áreas de competência são trabalhadas. Quando confrontamos estes cidadãos com a questão da procura de trabalho percebemos que a grande maioria já se sentiu discriminado: quando os empregadores veem um cigano dizem que já não precisam, ou inventam requisitos que os ciganos à partida não possuem, como, por exemplo, possuir licenciatura para um emprego que não o exige. São estas dificuldades no acesso ao mercado de trabalho que justificam a procura dos apoios sociais por parte das famílias de etnia cigana.

Acrescente-se que alguns estudos, cujos dados foram avançados pelo Instituto de Segurança Social, apontam que entre 3% e 6,5% das  93.731 famílias beneficiárias do RSI pertencem ao grupo étnico cigano, um valor pouco expressivo no universo total dos beneficiários desta medida. No entanto, é de admitir a existência de alguns casos, quer entre ciganos, quer entre não ciganos, que não necessitam do rendimento de inserção mas para evitar estas situações a fiscalização tem de ser mais rigorosa.

Segundo o Guia Prático do Rendimento Social de Inserção o valor da prestação do RSI, é atribuída da seguinte forma: o titular, 178,15€, o segundo adulto e seguintes, 89,07€ e por cada criança ou jovem com menos de 18 anos, 53,44€. Assim, para uma família com três adultos e uma criança o valor do RSI será: 178,15€+89,07€+89,07€+53,44€=409,73€.

Este apoio social tem uma grande importância na realidade familiar destas famílias, mesmo que consideremos impensável a ideia de que 4 pessoas, entre elas 1 criança, consigam viver mensalmente com 409,73€ para satisfazer as suas necessidades básicas.

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