Ciganos em Portugal, a origem do preconceito e da discriminação

Chegados à Europa na idade média, os ciganos constituem a maior minoria étnica do continente europeu e também a mais perseguida, vítima de preconceitos, discriminação e maltratos. A sua presença ao longo do tempo é inegável e mostra-se em várias manifestações artísticas, como a música, a pintura e a literatura, mas a perceção da sociedade sobre este grupo humano está permeada por uma série de preconceitos, erróneos na sua maioria. Influem nisto vários fatores, como as incógnitas sobre sua origem, o seu isolamento e a pouca recetividade em aceitar outras normas de vida que não sejam as próprias – no entanto, esta negação tende, paulatinamente, a ser substituída por um processo de adaptação às normas da sociedade maioritária.

Os estereótipos negativos que se criam em torno dos ciganos são consequência daquilo que lhes foi feito no passado. Antropólogos e especialistas em relações inter-étnicas e ciganofobia, acreditam que a origem do preconceito contra as comunidades ciganas possa estar relacionada com as profissões através das quais sobreviviam. Historicamente, os ciganos lidavam, na idade média, com três ramos de ocupação mal vistos pela sociedade. Eram então associados à indústria da “diversão”, como músicos, dançarinos e adivinhos, da “morte”, como talhantes, e do “lixo”, como ferreiros, que por não terem acesso à matéria-prima era forçados a procurar ferro-velho nos detritos. Durante este período, várias lendas populares percorreram a Europa formatando o pensamento da época. Uma delas é a de que o ferreiro que fez os pregos colocados em Jesus, na cruz, era cigano. Jesus então teria amaldiçoado todos os ciganos com uma vida de nomadismo. Aliás, é o nomadismo o fator apontado como o principal motivo da desconfiança que a sociedade alimenta em relação a este grupo étnico. A necessidade de deslocar-se, geralmente em coloridas caravanas, para encontrar melhores condições de vida, fez com que os ciganos tivessem um contato mínimo com o mundo “não-cigano”. Fora estes e outros casos, a realidade é que os preconceitos contra os ciganos se foram acumulando durante séculos no imaginário popular, o que provocou, por sua vez, um maior isolamento entre estes grupos.

Aquilo que se passa nos dias de hoje precisa de um enquadramento, pois a maioria das pessoas desconhece os acontecimentos ocorridos nestes 500 anos de relacionamento entre a sociedade e os ciganos. E em Portugal situação não foi muito diferente. Senão vejamos: as primeiras notícias da presença de ciganos em Portugal, provenientes de Espanha, datam da segunda metade do século XV. Gil Vicente dedica-lhes a “Farsa das Ciganas”, que faz representar em Évora, em 1521, perante a corte de D. João III. Foi tal o receio em relação a esta etnia, acusada de todas as malfeitorias, que não mais se reabilitaria até aos nossos dias. Entre os séculos XVI e XIX verificaram-se várias tentativas de erradicação total ou parcial, bem como de sedentarização e integração cultural compulsiva deste grupo étnico. Só em casos restritos os ciganos serão aceites e protegidos legalmente. É, também, extensa a lista de penas que os governos da monarquia portuguesa levantaram contra eles. Destacam-se, entre outras, o açoitamento em praça pública, o degredo dos homens para as galés, o que poderia ser por toda a vida, o embarque forçado de homens, mulheres e casais para servirem nas conquistas do Brasil e da África, a proibição do uso da própria língua, a proibição do uso do traje e celebração dos costumes tradicionais, a institucionalização de crianças para instrução e ainda que pouco aplicada, a pena de morte. Uma portaria régia, de 1848, exige aos ciganos o uso de passaporte. Em 1920, já em plena República, o regulamento da GNR prescreve “severa vigilância”. E, curiosamente, em 1980, depois de o Conselho da Revolução ter declarado inconstitucionais todas as normas anteriores, relativas à conduta dos membros da etnia cigana, é ainda o regulamento da GNR que determina, em 1985, no artº 81, uma especial vigilância sobre “os nómadas”. Em 10 de Maio de 1993, a Câmara Municipal de Ponte de Lima ordena “aos indivíduos de etnia cigana o abandono do concelho, no prazo de oito dias, podendo permanecer no futuro apenas por períodos de 48 horas”. Esta disposição foi, entretanto, impedida por reação do procurador-geral da República e do provedor de Justiça.

Perante estes factos, que conduzem à invisibilidade social, inerentes à pobreza e à exclusão, e à excessiva visibilidade negativa, potenciada por alguma comunicação social, não surpreende que alguns antropólogos, como José Bastos, Susana Bastos e Fátima Morão, concluam que “os ciganos portugueses permanecem com a mais grave e escandalosa de todas as situações de racismo e xenofobia”. Segundo estes especialistas, será impossível conseguir a inserção efetiva dos ciganos na sociedade, se antes não se romper a corrente histórica de preconceitos e discriminação, e se lhes abra as mesmas possibilidades que ao resto da sociedade. 

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