Do Preconceito à Exclusão

Vivemos num tempo paradoxal onde as atitudes de intolerância e racismo convivem numa sociedade que apela ao respeito pela diferença e pela diversidade cultural. Apesar da história do mundo conhecer desde sempre a repressão, a perseguição de quem é visto como diferente, é necessário encarar com desafio para o futuro, a aceitação que não devemos ser todos iguais pois precisamos da diversidade, do pluralismo e de saber viver com a diferença.

Após cinco séculos de vida comum a comunidade cigana é grupo étnico com quem há mais tempo convivemos em território nacional. No entanto a realidade a que se assiste é a de um grande desconhecimento que vem acompanhado de um conjunto de imagens estereotipadas construídas ao longo destes anos e que não abonam nada em favor de uma convivência pacífica entre ciganos e não-ciganos.

Para a sociedade, o modelo de cidadania passa por frequentar a escola, ter uma casa própria, um emprego assalariado, ter uma vida sedentária e desenvolver a partilha de valores que nada têm que ver com as tradições e costumes ciganos. Portanto, as condutas “anti-modernas” que regem o quotidiano da comunidade cigana, são condenáveis pela população maioritária e isso gera tensão intercultural. Efectivamente, as questões culturais levam a população maioritária a excluir a população cigana, tendo perante esta uma atitude de afastamento e de intolerância para com alguns aspectos do seu modo de vida. Consequentemente, há uma recusa de aproximação e pouca envolvência da população maioritária com o grupo étnico cigano.

E é aqui que devemos salientar a construção das ideias estereotipadas que se constroem a respeito dos outros. A verdade é que os indivíduos não chegam a ver-se uns aos outros como são na realidade, “vêem-se” através de histórias e contos, formando opiniões e juízos inexatos. O preconceito é visível e revela-se na recusa de aproximação e pouca envolvência por parte da população maioritária em relação ao grupo étnico cigano. Além disso, à população cigana, sendo percebida como diferente da população maioritária, não lhe é dado qualquer lugar na sociedade. Em vez disso, é mesmo segregada, excluída. A frase “Eu não tenho nada contra eles, mas não quero nada com eles!” é ilustrativa desta noção de afastamento e demonstra a existência de uma verdadeira “questão cigana”.

Os ciganos são vistos com desconfiança e despertam uma sensação de insegurança e de receio na população em geral. De qualquer forma, nem todos os ciganos são delinquentes, nem o problema da delinquência se resolve com insinuações preconceituosas. É necessário tomar medidas sociais urgentes para que se resolva esta questão de abusiva extrapolação do particular para o geral – um cigano por usufruir de apoios sociais, não torna todos os ciganos beneficiários dos sistemas de apoio estatais – e se deixe estas conceções discriminatórias que somente os exclui e indigna. Convém não esquecer que, embora a percentagem de pessoas com poucos recursos  seja elevada, no total da população portuguesa a percentagem de ciganos a que recorrem aos apoios é muito pequena e, como tal, não são justificados os comentários xenófobos que referem os ciganos como sendo um grupo que vive às custas da segurança social e que não quer trabalhar.

Neste aspeto a comunicação social (mas não só) é um importante rotulador dos indivíduos porque, a partir do momento em que os indivíduos de etnia cigana respondem mais facilmente pelas mesmas situações sociais do que a restante população, ajudam à construção e reforço do estereótipo distante do que acontece na realidade. Estes rótulos, por sua vez, produzem estigmas. Nem todos os ciganos beneficiam de apoios ou vivem à margem da lei e, no entanto, é esta a imagem que a população maioritária produz relativamente a eles. Portanto, sabemos que há ciganos que atravessam situações limite e sabemos igualmente que o racismo latente pode fazer recair sobre eles algumas culpas alheias decorrentes de imagens distorcidas da realidade. Estes estereótipos são somente os bodes expiatórios causadores do verdadeiro mal-estar, dos medos, das hostilidades e frustrações.

Importa pois realçar que o grupo étnico cigano tem vindo a receber interinfluências da população e cultura maioritárias e a verdade é que há já vários indicadores de aproximação entre as culturas: desde a forma de vestir, as expectativas de algumas mães ciganas face à educação dos filhos, a já existência de alguns casamentos entre pessoas ciganas e não ciganas. Esta aproximação, contudo, não significa a submissão à cultura dominante. A etnia cigana procura perpetuar os seus valores, práticas e modos de vida readaptando-se, estrategicamente, ao meio em que está inserida. Divididos entre a necessidade de integração numa sociedade pouco tolerante à sua presença e o desejo de preservação da sua identidade e autonomia étnica, os ciganos vão procurando, lentamente e tanto quanto possível, uma relação de aproximação.

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