História de vida – Bruno Prudêncio

Eu, Bruno Fernandes Prudêncio, filho de pai e mãe ciganos, nascido a 06 de junho de 1981 na cidade de Coimbra, enquanto os meus pais foram fazer uma feira nessa cidade. Passado 12 dias de vida fui levado para casa dos meus pais, que vivem na cidade do Porto que fica a Norte do nosso país.

Com seis anos de idade, a minha mãe que é analfabeta teve discernimento de que, para me dar um futuro melhor, precisava me inscrever na escola primária nº1 da Triana (EB. 1 da Triana). Sendo nessa mesma escola que fui descobrindo o gosto por aprender e que trago até hoje presente na minha vida.

Passado alguns anos, entrei para o secundário na Secundária de Pedrouços, na qual fiz amigos para a vida. Dito isto, acredito que a minha entrada para o secundário foi decisiva para o meu futuro, pois deu-me ferramentas para desenvolver as minhas capacidades, enquanto adulto.

Passado alguns anos, sai da escola e casei com uma rapariga também de etnia cigana como eu e logo depois de um ano fomos pais de uma princesa linda. Nessa época trabalhava como feirante, e comecei a notar que as feiras estavam cada vez mais difíceis e era complicado manter as contas de casa, pois as despesas das deslocações, para a feira eram grandes e com isso aliado às despesas do aluguer dos lugares de feiras, as despesas quase não compensavam.

Comecei a notar que colegas meus que não eram ciganos trabalhavam 40 horas por semana numa loja de roupas, enquanto eu trabalhava 70 horas por semana. Ou seja, a minha rotina começava às 5 horas da manhã, quando ia para a feira, e só terminava perto das 19 horas da tarde, quando ia “empregar” aos armazéns e fábricas para tornar a vender nas feiras do dia seguinte. O pior é quando chegava o inverno e as despesas mantinham-se altas e as vendas eram muito reduzidas, chegando a não compensar os gastos feitos.

Nesse mesmo período da minha vida, comecei a pensar em concluir o 9º ano de escolaridade, durante a noite (pós-laboral). Para alguns dos meus familiares, foi estranho e não entendiam o porquê de voltar a estudar quando já tinha uma família para sustentar. Mas os meus planos eram outros.

Na verdade, o meu pensamento na altura, era estudar para conseguir um
emprego, embora não soubesse que o 9º ano de escolaridade é muito pouco para se conseguir um emprego, mesmo assim consegui concluir com sucesso o curso EFA, que me deu a equivalência ao 9º ano de escolaridade.

Após procura de emprego, entendi que precisava de ter pelo menos o 12º ano de escolaridade e que as bases de um bom emprego era a educação. Nesse sentido, aliei o gosto pela informática e entrei num curso profissional de multimédia, onde aprendi a criar páginas de internet e desenhar logótipos para empresas. Terminando o curso, tentei emprego na área da multimédia, mas Portugal passava por uma das maiores crises financeiras de sempre, e mesmo as pessoas com mais estudos que eu, não conseguiam arranjar emprego.

Numa tentativa em conseguir emprego, e manter as despesas de casa pagas, tentei entrar para uma vaga de cantoneiro na Junta de Freguesia do meu local de residência. Foi assim que consegui o meu primeiro emprego. Nessa altura nunca tive receio das críticas das outras pessoas da minha etnia, pois o que estava a fazer era ganhar o meu sustento e da minha família de forma honesta e de acordo com as minhas crenças em Deus.

Parece que, por vezes, a vida dá voltas para nos mostrar o caminho e foi assim que passado duas semanas de trabalho, como cantoneiro, fui convidado pelo anterior presidente da Junta de Freguesia de Baguim do Monte, para trabalhar como assistente técnico no atendimento e apoio à população da freguesia.

Isto não seria possível, sem eu ter concluído o 12º ano de escolaridade, e sem o curso de multimédia que abriu portas para trabalhar na secretaria dessa mesmo Junta de Freguesia.

Passado cinco anos de trabalho na Junta de Freguesia, surgiu a hipótese de concretizar um dos meus sonhos entrar para a Universidade. Através do programa OPRÉ, que é um programa do governo para ajudar jovens de etnia cigana a concluírem os estudos no ensino superior.

Estava delirante com a possibilidade de poder voltar a estudar, embora na altura já fosse pai de mais uma princesa e agora era mais complicado, pois tinha a responsabilidade de ajudar a gerir a família e acompanhar as nossas filhas. Os meus pais, tentaram convencer-me que nesta altura da minha vida já era um pouco tarde e que não deveria ir estudar.

Inicialmente, também tive receio, mas nunca deixei de acreditar que conseguiria entrar para a Universidade, e com esse sonho em mente fui fazer o exame de admissão na Escola Superior de Educação do Porto. E bem, passado alguns dias obtive as boas novas, tinha conseguido entrar para a Universidade. Claro que continuei a trabalhar e tinha uma rotina diária muito desgastante pois acordava às 7 horas da manhã para ir trabalhar e depois saía do trabalho às 17 horas, para entrar na universidade às 18 horas para assistir às aulas e terminava às 23 horas, quando chegava a casa já era meia-noite e claro que isso tudo desgasta.

Pois bem, hoje passados três anos, de muito esforço consegui terminar a licenciatura em Educação Social e posso-vos dizer que foi a melhor coisa que fiz, pois enquanto estava a frequentar a licenciatura abriram-se portas, para trabalhar enquanto mediador municipal e intercultural da Câmara Municipal do Porto.

Também consegui terminar um curso para formação de formadores que é homologado e autorizado pelo Instituto de Emprego e Formação profissional (IEFP) e ainda fui pai de uma terceira princesa.

O truque?

Bem vou vos dizer que foram estes: nunca deixar de acreditar que somos capazes; nunca desistir; e claro nunca esquecer quem somos.

Pois, ser português é especial, mas ser português de etnia cigana é uma característica que nos torna únicos.

Isto quando nos capacitamos, notamos que é mais fácil ajudar o nosso povo a ser respeitado pela sua cultura milenar. Isto é claro sem esquecer que a educação é a chave da mudança para melhorar as nossas vidas. Se eu fui capaz vocês também serão.

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