História de vida – Paula Martins

Olá, o meu nome é Paula Filipa Reis Martins, nasci em 2003, tenho 18 anos, nascida e criada em Faro. A minha família é composta por 6 elementos, ou seja os meus pais e 4 filhos, eu sou a mais velha dos 4 irmãos, e somos orgulhosamente ciganos de pai e de mãe.

Com 6 anos comecei a frequentar o 1º ano, na escola EB1 Escola do Carmo, onde completei 1º ciclo sem reprovar nenhum ano. Nesta mesma escola foi onde comecei a fazer as primeiras amizades, eu era um pouco tímida e raramente falava, mas tinha os meus amigos que me apoiaram, também tinha as professoras Elsa e Rosa que me ajudaram bastante quando tinha algumas dúvidas ou dificuldades na matérias.

Os TPC`s que levava para casa, por vezes eram difíceis de fazer porque não tinha condições, pois eu vivia numa barraca, principalmente por não ter eletricidade para fazer os TPCs, tinha que ser à luz das velas. Para além das dificuldades, fui uma jovem cigana com muita sorte porque tive sempre o apoio dos meus pais em relação aos estudos, e eles concordavam que eu deveria andar na escola para ter um caminho diferente, mas sempre dentro dos limites dos hábitos e tradições da comunidade cigana a que pertenço.

Depois passei para a escola Dr. José Neves Júnior onde reprovei no 7º ano, mas consegui superar e chegar ao secundário na escola Dr. José Neves Júnior, onde fui sempre bem recebida pelos funcionários, professores e também colegas. Nunca passei pelo preconceito por ser cigana e nunca me excluíram de nenhum grupo social pelo racismo, muito pelo contrário a minha turma desde o 5º ano de escolaridade até o 9º ano, foram sempre respeitoso para comigo, e incluíam-me em tudo. Sempre contei com o apoio da professora Clara Freitas que até hoje tenho contacto com ela, pois foi ela quem me ajudou quando mais precisei.

Transitei para o 10º ano no mesmo agrupamento, onde iniciei o curso de Cozinha /pastelaria, numa turma diferente. Aqui fui bem recebida e foi também neste ano que comecei a expressar-me mais, a falar com a turma, a dar opiniões ou argumentar com os colegas.

Fiz várias amizades, os meus professores são os melhores, pois se não fosse por eles não estaria chegado onde cheguei.

No 3º e último ano de curso de cozinha/pastelaria onde ainda estou a estudar, são 9 alunos, todos do sexo masculino menos eu, que sou a única rapariga na turma. Os professores e colegas são super simpáticos comigo e respeitam os meus valores, nunca me excluíram de nenhuma atividade, e quando são aulas práticas eles são os primeiros a incentivar-me para ficar no grupo deles.

Durante o meu percurso escolar no secundário fui sempre acompanhada pelos professores de cozinha/pastelaria, o professor André, e o professor Luís.
Obviamente que tive sempre o apoio dos meus pais nas minhas decisões, pois sem a aprovação deles nada disto era possível. Aos olhos da comunidade cigana, eu sendo uma jovem rapariga cigana, não era nada normal continuar os estudos, pois na comunidade as raparigas são instruídas desde jovens a casarem cedo, cuidar da casa, ser uma boa mulher para o marido e cuidar dos filhos.

Para uma jovens cigana o normal será estudar até aos 18 anos porque é “obrigatório”, mas eu senti que o meu percurso escolar não deveria acabar assim, então escolhi a opção de continuar com os meus estudos “para poder fugir um pouco os hábitos de comunidade cigana no âmbito dos estudos”. Assim, os meus objetivos passavam por concluir 12º ano, conquistar a carta de condução, e tirar um bom proveito do curso para poder arranjar um emprego na área.

Na minha vida pessoal não quero ser diferente das outras jovens ciganas. A comunidade cigana tem os seus “trambolhões” de regras e tradições que nos torna únicos, e que me orgulho em pertencer, por isso futuramente vejo-me num casamento com um jovem cigano no qual será por gosto próprio, e que sejamos independentes.

Quero deixar uma mensagem para todas as ciganas que estão a ler: nunca desistam dos vossos sonhos, só por serem ciganas, ou pelas opiniões dos outros que dizem que não podes, não consegues, ou não és capaz. Juntas fazemos a diferença e vamos lutar por aquilo que queremos. Só tu podes mudar o teu futuro, mais ninguém.

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